Marilena Chauí desvenda "universidade operacional"
Discurso do professor Ciro
Correia em 08/08/2014 na FAU (USP)
09 Ago 2014
Prezados
colegas, funcionários-técnico administrativos, estudantes, senhoras e senhores:
Pedimos
licença em nome da Diretoria da Adusp para, antes de dar início à Aula Magna da
nossa convidada,nossa ilustre colega, Professora Marilena Chauí, partilhar com
todas as pessoas presentes o que segue:
Não temos
dúvidas quanto à gravidade da crise que estamos vivendo e quanto à dimensão do
enfrentamento assumido por todos que fazem ou apoiam a greve, diante do ataque
explícito da Reitoria e do governo estadual à concepção que sempre defendemos:
de implantação e desenvolvimento de uma
universidade democrática, pública, gratuita, laica e de qualidade socialmente
referenciada. Uma universidade que contribua na construção efetiva de um
sistema público de ensino superior cada vez mais igualitário no estado de São
Paulo.
Contudo,
não é novidade o descompromisso da estrutura oligárquica de poder da USP
com essa concepção. Mas é escandaloso o modo acelerado com o qual a administração da
universidade tem se desacoplado da corpo da universidade e se sente à vontade
para governar à revelia de qualquer preocupação com legitimar suas diretivas,
ou sequer chancelá-las nas instâncias internas de deliberação, por mais
inadequadas que sejam.
O
processo que chegou a ser referido como “a rebelião dos diretores”, que
conduziu ao esquema de transição nos marcos da reunião do Conselho
Universitário de 1ºde outubro de 2013, supostamente para nos salvar da
perspectiva de continuidade da descontrolada gestão anterior, acabou por
definir um amplo espectro de apoios para uma candidatura que, como todos podem
constatar, nos outorgou antes um tirano do que um reitor.
Deu-se
portanto o que resulta de toda e qualquer transição conduzida à revelia de
preceitos democráticos, por meio da reciclagem do autoritarismo, sempre
apontando para formas mais agudas de arbítrio.
Também
sabemos o quanto os setores conservadores
presentes na sociedade - e encastelados no aparato governamental do
estado ― fomentam e buscam se beneficiar dessa situação na universidade em
favor de seus interesses e projetos, no que concerne à implantação e
consolidação, em São Paulo e no país todo, de um modelo de ensino superior
excludente e privatista.
É por
isso que conclamamos a todos para que, neste momento que é crucial, engajem-se energicamente nesta luta em defesa da
universidade pública, gratuita e de qualidade socialmente referenciada.
O que isso significa e exige, neste exato momento?
Além de
se inteirar das pautas do movimento, além de participar e fazer repercutir esta
e tantas outras atividades programadas pela Assembleia Geral Permanente e pelo
Comite de Mobilização, é preciso que todas e
todos se empenhem para que em cada unidade as administrações e colegiados sejam
cobrados quanto às posições que defendem quanto às ações ilegítimas e violentas
da Reitoria, como no caso do inaceitável confisco dos salários decorrente dos
cortes do ponto dos funcionários.
Mais
ainda: é importantíssimo que todas e todos efetivamente participem e contribuam
para encorpar as fileiras da nossa caminhada do próximo dia 14 de agosto, no
início da tarde, seguida de ato conjunto das universidades e do Centro Paula
Souza diante do Palácio dos Bandeirantes.
Essa
caminhada, acreditem, pode dar a devida dimensão e visibilidade à legitimidade
das nossas pautas e, assim, potencializar as forças que precisamos acumular
para o embate posto. E isso é fundamental para nossa luta agora e no futuro, muito além do momento da greve em curso.
Muito obrigado.
Prof. Ciro Correia
Presidente de Adusp
Aula magna de Marilena
Chauí desvenda “Universidade Operacional”
09 Ago 2014
Esquema
de transição conduzido pela oligarquia resultou na escolha de um“tirano”, diz
Ciro Correia ao abrir os trabalhos
A
universidade brasileira submeteu-se à ideologia neoliberal da sociedade
de mercado, ou “sociedade administrada” (Escola de Frankfurt), que transforma direitos
sociais, inclusive educação, em serviços; concebe a universidade como
prestadora de serviços; e confere à autonomia universitária o sentido de
gerenciamento empresarial da instituição.
Em
repetidas manifestações, o reitor da USP revela seu “lugar de fala”, sua
afinação com esse ideário, ao recorrer ao vocabulário neoliberal
utilizado para pensar o trabalho universitário, que inclui expressões como
“qualidade universitária” (definida como competência e excelência e medida pela
“produtividade”) e “avaliação universitária”. Foi o que sustentou a professora
Marilena Chauí ao proferir sua Aula Magna sobre o tema “Contra a Universidade
Operacional”, em 8/8, que lotou com centenas de pessoas o auditório da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP).
Nesse
contexto, a USP, como suas congêneres, transformou-se numa “fábrica de produzir
diplomas, teses”, tendo como parâmetros os critérios da produtividade:
quantidade, tempo, custo. “Esse horror do currículo Lattes. É um crime o
currículo Lattes! Porque ele não quer dizer nada. Eu me recuso a avaliar alguém
pelo Lattes!”, disse
Marilena. As frases fortes mereceram da plateia aplausos entusiasmados.
“Vejo as
pessoas desesperadas porque perderam 7 ou ganharam 7 da Capes [Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior]. Não significa nada. ‘Quero ser 7
porque Porto Alegre é 7’. A gente incorporou a competição pelas organizações,
pela eficácia”, destacou Marilena. Mais tarde, acrescentou: “Fuvest
e Lattes são a prova da estupidez brasileira”.
Na sua
exposição de uma hora, a professora da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas (FFLCH) esmiuçou o processo por meio do qual a universidade
pública brasileira vem sendo transformada e descaracterizada, desde os
anos 1970, deixando de ser uma instituição social para tornar-se uma organização, isto é, “uma entidade isolada
cujo sucesso e cuja eficácia se medem em termos da gestão de recursos e
estratégias de desempenho e cuja articulação com as demais se dá por meio da
competição”.
A
“universidade operacional” corresponde à etapa atual desse processo, segundo
Marilena. De acordo com ela, “a forma atual de capitalismo se
caracteriza pela fragmentação de todas as esferas da vida social, partindo da
fragmentação da produção, da dispersão espacial e temporal do trabalho, da
destruição dos referenciais que balizavam a identidade de classe e as formas da
luta de classes”. A
passagem da universidade da condição de instituição social (pautada pela
sociedade e por uma aspiração à universalidade) à de organização
insere-se, diz Marilena, “nessa mudança geral da sociedade, sob os efeitos da nova
forma do capital, e no Brasil ocorreu em três etapas sucessivas, também
acompanhando as sucessivas mudanças do capital”.
Na
primeira etapa (anos 1970, “milagre econômico”), a universidade
tornou-se “funcional”, voltada para o mercado de trabalho, sendo “prêmio de consolação que a
ditadura ofereceu à sua base de sustentação politico-ideológica, isto é, à
classe média despojada de poder”; na segunda etapa (anos 1980), passou
a ser “universidade de resultados”, com a introdução da ideia de parceria com
as empresas privadas; a
terceira etapa (anos 1990 aos dias de hoje), em que virou “universidade
operacional”, marca o predomínio da forma organização, “regida por
contratos de gestão, avaliada por índices de produtividade, calculada
para ser flexível”, estruturada por estratégias e programas de eficácia
organizacional e “por normas e padrões inteiramente alheios ao conhecimento e à
formação intelectual”.
A
tecnocracia associada a esse modelo, explicou, “é aquela prática que julga ser
possível dirigir a universidade segundo as mesmas normas e os mesmos critérios
com que se administra uma montadora ou um supermercado”. De modo que se
administra “USP, Volks, Walmart, Vale do Rio Doce, tudo da mesma maneira,
porque tudo se equivale”.
Metamorfose
“A
metamorfose da universidade pública em organização tem sido o escopo
principal do governo do Estado de São Paulo”, denunciou Marilena. Ela
argumentou que a reforma do Estado adotada pelo governo FCH (1995-2002) e efetivada
pelos governos estaduais do PSDB, particularmente o de São Paulo, pautaram-se
pela articulação com o ideario neoliberal (Estado mínimo, privatização dos
direitos sociais) e, no caso do ensino superior, realizaram a agenda de mudanças
preconizada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para a reestruturação
das universidades da América Latina e Caribe, em 1996, e baseada na redução das
dotações orçamentárias públicas às instituições de ensino superior.
“Penso
que a expressão perfeita dos desígnios do governo do
Estado e do BID se encontra na carta enviada pelo reitor da USP aos docentes em
21 de julho de 2014”, afirmou a professora. “Sei que se tem debatido a falsidade dos números
apresentados por ele, a manipulação. A carta me interessa pelo vocabulário que
ele usa. Ele começa a carta se referindo a nós como o custeio. Somos o
custeio, não somos o esteio da Universidade. A partir daí já está tudo dito. Ele não começa
pelas obras que foram feitas sem necessidade, pelo esparramamento da USP pela
cidade. Não. Ele começa por nós”, enfatizou.
“O reitor
não está usando essa linguagem porque caiu de paraquedas no mundo e
equivocadamente fala nessa linguagem. Ele tem uma concepção de universidade,
uma concepção política, uma concepção do conhecimento, uma concepção do saber.
Minha fala vai na direção de localizar o que é que tornou possivel a um reitor
da USP dizer as coisas que ele diz”.
Ao longo
da leitura do texto que preparou para a ocasião, Marilena fugiu do roteiro para
fazer comentários bem-humorados e sarcásticos que provocavam gargalhadas ou
fortes aplausos do auditório. “O PSDB é o filho revoltado do MDB. Eles estão aí
há 30 anos! Eu quero alternância de governo”, disse, ao comentar conversa que
manteve com um grupo de jovens.
A Aula
Magna foi coordenada pelo professor João Zanetic (IF) e pela professora
Priscila Figueiredo (FFLCH), que mediaram intervenções e perguntas de
participantes à professora Marilena Chauí.
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