Se
pensar pequeno, o governo escorrega na goela conservadora.
Por:
Saul Leblon
Endogamia da união contra o Brasil
O day after da Standard & Poor's foi um fiasco. O jornalismo isento se vestiu de gala com manchetes garrafais à espera da 3ª feira sombria que não veio.
Para quem
acha que capitalismo é apenas um sistema econômico, não uma relação de poder, o
Brasil se oferece como um incentivo à revisão de conceitos.
Tome-se a luta de chifres entre os resultados
da economia e a guerra santa das
expectativas.
Estamos a sete meses das eleições presidenciais
A manada de bisão acantonada nas redações afia os cascos no chão e recobre o horizonte
brasileiro de uma espessa poeira cinza
asfixiante.
É imperioso ligar o aspirador de pó à passagem do
tropel noticioso. A mesa do café da manhã fica imprestável, dividida com a edição do dia.
A culpa pelas más notícias nunca é do carteiro.
OK.
Exceto se ele exorbita e troca a entrega da correspondência pela ordem de despejo que lhe confere o mando
do imóvel, às expensas dos ocupantes legítimos.
O
pisoteio dos cascos isentos faz mais ou menos isso ao reduzir a partículas ínfimas qualquer
saliência que desafie a pauta do
Brasil aos cacos.
Não entrega a correspondência. Ou o faz rasurando
seu conteúdo — frequentemente
alterando-o.
Nenhum vestígio positivo do passado e do
presente mas, sobretudo, os
brotos do futuro, sobrevivem à
passagem diária do tropel.
Repita-se:
isso, há sete meses do pleito que
pode dar um quarto mandato à coalizão
centrista comandada pelo PT.
Há quem ache merecido.
Até sorri ao ouvir o barulho do Brasil esmigalhando diariamente sob as patas
do tropel.
As alianças ‘escolhidas’ pelo PT, afinal, sem falar
no próprio, submeteram a sociedade a uma camisa de força conservadora,
justificam os sorridentes.
‘Contra tudo isso que está aí’, vale tudo.
Até a parceria com autênticos partisans do novo amanhecer.
Combatentes
da cepa de um Jarbas Vasconcelos, por exemplo; ou da
estirpe de Agripino, le rouge, companheiros de caminho dos
que pretendem levar ao Procurador Geral, Rodrigo Janot, um pedido de investigação
contra a Presidenta Dilma Rousseff pelo caso Pasadena.
A manada ganhou esta semana outro reforço de notórios compromissos com o país.
A agência
Standard & Poor’s , de
impoluta credibilidade (leia também ‘A
Standard & Poor's endossa a mídia, que retribui’) , mostrou a que veio ao rebaixar
a nota do país para deixa-lo
a um degrau acima dos Estados
falidos.
E não ficou nisso: ‘Os sinais enviados pelo governo
ainda não são claros’, advertiu a agência em tom imperial. ‘Houve uma piora
consistente nos indicadores’, reforçou a senhora Lisa Schineller, analista da
‘S&P’, em teleconferência à mídia
embevecida.
A senhora Schineller
é treinada para tocar a sensibilidade aguçada desse tipo de plateia que
tem vínculos de orelhada e holerite com o cuore
neoliberal .
Ela foi direto ao
centro do alvo que é para ninguém ter dúvida do que é o principal na
vida de uma nação: ‘(a punição) é um
reflexo da política fiscal (a economia para pagar os juros dos rentistas)
,’cuja credibilidade se enfraqueceu de forma sis-te-má-ti-ca’, escandiu a
executiva.
Orgasmos intelectuais na plateia.
Nesse bacanal da isenção com a equidistância a
ninguém ocorreu lhe perguntar se a mesma corrosão da credibilidade teria
atingido a agência de risco pelo desempenho pregresso.
Em agosto de
2008 a ‘S&P’ atribuiu ao banco Lehman Brothers um esférico triple A: a nota máxima do
‘rating’ de credibilidade , da qual ela
afastou o Brasil um pouco mais agora.
Desconfia-se que já como parte da desesperada
tentativa de continuar empurrando títulos do Lehman na goela dos incautos, como
forma de mitigar as perdas dos grandes acionistas, diante da quebra inevitável.
Trinta dias depois de receber a faixa de máxima higidez
o banco implodia acionando a espoleta da
maior crise do capitalismo desde 1929.
Há um outro recuerdo ilustrativo do que move a engrenagem por trás
da fala assertiva da senhora Schineller.
A ‘S&P’ foi responsável por rebaixar a nota do
Brasil em julho de 2002.
As pesquisas do Datafolha então mostravam o
candidato Lula na liderança das intenções de voto, com 38% das preferências dos
eleitores, seguido de Ciro Gomes.
Só depois
vinha o delfim da eterna derrota conservadora: José Serra.
O risco da argentinização sob um governo petista era
o mote do jogral conservador, ao qual a S&P adicionou seu grave de tenor.
Como corolário da impoluta trajetória ética e
técnica recorde-se que o governo norte-americano encontrou um erro de cálculo
de ‘apenas’ US$ 2 trilhões nas contas que orientaram a mesma Standard &
Poor’s a rebaixar o rating do país em 2012.
Uma desastrada tentativa de se reabilitar após o
vexaminoso endosso a práticas e instituições que explodiram a ordem financeira
mundial.
Esse é a folha corrida.
Cuja
detentora era aguardada com ansiedade
pela manada e seus candidatos amigáveis à sucessão.
A bala de prata não negou fogo, como se viu.
Mas o tiro saiu pela culatra.
O day after
da apoteose foi talvez o maior fiasco já
enfrentado pelo jornalismo isento que se vestiu de gala com manchetes garrafais à espera de uma 3ª feira negra que não veio.
O dia de fúria aconteceu ao contrário
O dólar caiu ao menor nível em quatro meses; o
capital estrangeiro continuou a
desembarcar no país --uma parte,
ressalve-se, apenas para desfrutar dos juros altos-- mas US$ 9,2 bi em investimento efetivos
aportaram no 1º bimestre.
A Bolsa atingiu a maior pontuação desde setembro de
2013.
As ações da Petrobras se mantiveram em espiral ascendente, com alta de mais 0,90% na
3ª feira.
Para finalizar, o Tesouro anunciou uma arrecadação
recorde em fevereiro –em frontal
desacordo com o veredito da ‘inconsistência fiscal’ alegada pela ‘S&P’ para cortar o ‘rating’
do país.
O que aconteceu no day after, na verdade, só reafirmou aquilo que os indicadores tem
mostrado neste início de ano, à revelia das manchetes alarmistas.
O Brasil tem problemas (leia ‘Quem vai mover as
turbinas do Brasil?’).
Mas está longe de ser a terra arrasada produzida
pelos cascos que esmagam e amesquinham tudo o que se opõe à pauta do Brasil que
vai descambar — se não for hoje, de
amanhã não passa.
Nesta 2ª feira, por exemplo, o insuspeito jornal
Valor reuniu 18 indicadores atualizados para medir a temperatura da economia neste
início de ano.
Treze dos dezoito
apontavam um desempenho positivo.
São eles: renda, emprego, atividade industrial,
vendas do varejo, vendas de serviços, venda de aços planos, crédito,
inadimplência, nível de atividade do BC, vendas de automóveis, fluxo de
veículos pedagiados e vendas de papel
para embalagem.
Dos cinco indicadores negativos, apenas um se referia
a atividade produtiva de fato:
vendas de automóveis (influenciada pela antecipação da demanda ao final de 2013
por conta do IPI)
Os demais
dizem respeito à formação das expectativas, diretamente contaminadas
pela guerra eleitoral manipulada das redações — intenção de consumo, confiança
da indústria, confiança do consumidor, indicador antecedente da FGV.
Em resumo, os mercados , ao contrário do jornalismo colegial, sabem
que as candidaturas conservadoras não emplacam.
Enquanto cuidam de faturar, usam as redações isentas, a exemplo dos serviços pagos da ‘Standard & Poor’s para chantagear o final do governo Dilma.
Tirar uma lasca — mais uma alta da Selic, por
exemplo.
Mas, sobretudo, engessá-la no palanque de outubro. E assim desossar sua eventual reeleição,
circunscrevendo-a num círculo de ferro
de mesmice e mediocridade.
Nenhuma
surpresa. Estamos diante do capitalismo, que antes de ser economia — é
uma relação de forças.
A transição de ciclo de desenvolvimento vivida pelo
Brasil adiciona desafios e dificuldades a esse embate histórico.
Mas não é a determinação dos dias que correm.
A determinação é o mutirão da plutocracia local e a
de além-mar para engessar o governo e
impedir que ele seja de fato o portador
do desejo mudancista do
eleitorado, majoritariamente associado à condução do processo pela própria
Presidenta-candidata.
Trata-se de tanger Dilma e o PT a pensarem pequeno.
Pensarem um futuro governo menor que o país.
Menor que as suas possibilidades e urgências.
Menor que o pré-sal.
Menor que a ponte necessária para transformar a
prostração democrática cevada pelo
neoliberalismo em uma repactuação consistente do futuro com a sociedade,
feita de prazos e metas críveis para a construção da cidadania plena.
Se pensar pequeno, o governo que finda e o seu novo
mandato correm o risco de ficar do tamanho da goela conservadora.
Que não terá dúvida em mastiga-los até a última
lasca.
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