O que é, como e
para que ser de esquerda? (III)
Por Flávio Aguiar
A
pedra fundamental do ser de esquerda, seu como e seu para que, é a valorização
republicana da cidadania, da ação coletiva, do espaço
Flávio Aguiar
Quando os regimes comunistas da
União Soviética e seus satélites se dissolveram, ao invés do tão longamente
esperado “homo sovieticus”, emergiram naquele espaço desconstruído algumas das
piores máfias do planeta, oligarcas desabusados que apenas o neo-czarismo
autoritário de Vladimir Putin pode enfrentar, um catolicismo ou uma
ortodoxia bizantina rançosos e carolas, políticos e políticas entusiasticamente
neoliberais ou de extrema-direita... Enfim a lista de dsarrazoados é enorme,
mostrando o quanto os regimes comunistas daquela região não conseguiram
construir a democracia socialmente avançada que o capitalismo triunfante não só
negou historicamente, mas passou a negar ainda com mais veemência nos primeiros
anos da orgia neoliberal.
Sintetizando, pode-se considerar
que as repúblicas socialistas tinham muito pouco, ou quase nada, de
republicanas, o que roeu pela base a sustentação das políticas sociais que
conseguiram promover, e turvaram a visão das suas grandes conquistas
históricas, como a derrota do nazi-fascismo e a ajuda à sustentação de lutas de
libertação no mundo, no Sudeste Asiático, na África e até na América Latina.
Uma expressão dramática desta falta de “espírito republicano” foi a tragédia do
Muro de Berlim, que, se cercava o lado Ocidental, deixava desde sempre a
impressão de que os prisioneiros do cerco estavam do outro lado, o Oriental.
Por aí pode ter-se juma primeira
medida de que hoje – estamos falando neste aqui e agora do século XXI em seu
começo – a pedra fundamental do ser de esquerda – seu “como” e seu “para que” é
a valorização republicana da cidadania, da ação coletiva, do espaço público, e
da governaça do Estado e de seu papel, tudo aquilo que a ideologia à solta do
império dos mercados, embalada por sua vitória sobre o comunismo soviético,
continua e vai continuar negando, pisoteando a cidadania, o espírito de
coletividade, manietando o espaço público e buscando a privatização completa da
governança do Estado, fazendo-a administradora de privilégios ao invés de
garantidora de direitos.
Isto implica a valorização da
democracia como um valor permanente, em todas as suas dimensões, sem perder de
vista nenhuma em detrimento de outra: a dimensão direta, nas ruas e
manifestações, a participativa, como no prática orçamentária que leva este
nome, mas também no fortalecimento do espírito associativo, e a representativa,
combatendo o descrédito com que a direita quer recobrir sempre este espaço.
Isto implica a luta pelo papel regulador do Estado, em detrimento das ideias de
um mercado “autorregulável”, e ao mesmo tempo a luta pela maior transparência
deste mesmo Estado, e pela reversão das práticas abusivas de administração de
privilégios que faz parte de seu legado histórico.
É complicado, mas este “ethos” de
esquerda implica a afirmação de uma visão totalizante dos seres humanos,
desconstruindo os preconceitos sexuais, religiosos, sociais, racistas,
nacionais, regionais, continentais, culturais que pretendem “naturalizar” a
afirmação da desigualdade e informar as políticas discriminatórias de minorias,
mas também de maiorias, como hoje, por exemplo, acontece seguidamente nesta
Europa de naufrágio da social-democracia, onde ao lado das políticas de
discriminação preconizadas pelas extremas-direitas em vários países viceja o
claro tempo pela democracia que a imposição das “políticas de austeridade”
exige para sua implementação e afirmação hegemônica.
O mais complicado de tudo isto
ainda é que isto exige uma contínua alimentação mútua entre análise e praxis no
espaço concreto onde a inserção das múltiplas esquerdas se dá. De nada adianta,
ou melhor, adianta muito pouco afirmar-se uma concepção que abstratamente
prescinda, por exemplo, dos Estados nacionais, se a garantia dos direitos
individuais e coletivos da cidadania se dá através do jogo dentro e entre estes
mesmos Estados.
O internacionalismo que as
esquerdas de modo justo preconizam não pode ser visto como uma constelação
abstrata que, das alturas, quase astrologicamente, governe os passos dos povos
do mundo. Este internacionalismo passa por uma construção concreta, diária e
solidária, entre povos que têm uma história concreta, de choques e
desigualdades, heranças de violências muitas vêzes mútuas, insufladas de fora
ou de dentro, que precisam ser neutralizadas para que se avance a ideia de um
compromisso entre iguais que rompa o círculo vicioso do emprego da força.
Todo este conjunto de ideias não
esgota o tema sobre o que é, como e para que ser de esquerda. Espero que
contribua para o prosseguimento da discussão. A boa discussão, penso eu, é
aquela que levanta mais perguntas que estimulem a sua continuidade do que
respostas definitivas que procurem fechar o caminho. Isto não deve barrar a
ação, que deve ser continua. Mas deve situar a compreensão de que perguntar
continuamente também faz parte das ações de esquerda.
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/?/Coluna/O-que-e-como-e-para-que-ser-de-esquerda-3-/29504
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